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Pedro Jailson
Autista, TDAH e cofundador da Clínica terapeuTEAr

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Você está se escondendo de si mesmo?

 

Descubra o preço do mascaramento no autismo e TDAH

 

Imagine viver cada dia interpretando um papel elaborado, onde cada gesto e palavra são cuidadosamente escolhidos para se encaixar em um roteiro que não foi escrito para você. Para muitos adultos autistas e TDAH, essa não é uma metáfora, mas uma realidade diária. O mascaramento, também conhecido como camuflagem social ou masking, é uma estratégia de sobrevivência que muitos neurodivergentes adotam para navegar em um mundo predominantemente neurotípico. Mas qual é o verdadeiro custo dessa prática aparentemente “necessária”?

 

 

O Que é Mascaramento?

 

O mascaramento, também conhecido como masking ou camuflagem, é um fenômeno complexo onde indivíduos com autismo ou TDAH conscientemente ou inconscientemente escondem, suprimem ou disfarçam seus traços neurodivergentes. É como vestir uma máscara social, adaptando-se às expectativas da sociedade, muitas vezes à custa do próprio bem-estar. Este processo pode ser tão sutil e automático que muitas pessoas não percebem que estão fazendo isso, enquanto outras dedicam uma quantidade significativa de energia mental para manter essa fachada.

 

 

Exemplos de Mascaramento no Autismo:

 

1. Contato Visual Forçado: Um adulto autista força-se a manter contato visual durante reuniões de trabalho, mesmo que isso cause desconforto intenso e dificulte sua concentração nas informações sendo discutidas. Isso pode resultar em dores de cabeça e exaustão mental após interações sociais prolongadas.

 

2. Scripts Sociais: Uma pessoa autista passa horas memorizando piadas e tópicos de conversa antes de eventos sociais, tentando parecer "natural" e "espontâneo" em interações. Isso pode incluir estudar programas de TV populares ou notícias atuais apenas para ter assuntos para discutir, mesmo que não tenha interesse genuíno neles.

 

3. Supressão de Estímulos: Um indivíduo autista esconde suas mãos sob a mesa durante almoços de negócios para disfarçar seu balançar de mãos, um comportamento estimulatório que o ajuda a se acalmar. Isso pode levar a um aumento da ansiedade e dificuldade de processamento das informações durante a refeição.

 

4. Mimetismo Social: Uma pessoa autista observa atentamente seus colegas de trabalho e imita suas expressões faciais e linguagem corporal, mesmo sem entender completamente o significado por trás desses gestos. Isso pode resultar em mal-entendidos sociais e exaustão emocional.

 

 

Exemplos de Mascaramento no TDAH:

 

1. Sistemas de Organização Excessivos: Um adulto com TDAH mantém dezenas de listas, alarmes e lembretes para compensar suas dificuldades executivas, gastando horas diariamente apenas gerenciando seus sistemas. Isso pode levar a um ciclo de estresse e ansiedade relacionados à organização.

 

2. Hipervigilância em Reuniões: Uma pessoa com TDAH exaure-se mentalmente em reuniões longas, forçando-se a permanecer completamente imóvel e atenta para não demonstrar sua inquietação característica. Isso pode resultar em fadiga mental severa e dificuldade de retenção de informações importantes.

 

3. Trabalho Excessivo: Um indivíduo com TDAH frequentemente trabalha até tarde da noite para compensar os momentos de distração durante o dia, temendo que sua produtividade seja questionada. Isso pode levar a um desequilíbrio entre vida profissional e pessoal, além de problemas de saúde relacionados ao estresse.

 

4. Evitação Social: Uma pessoa com TDAH evita eventos sociais espontâneos, preferindo situações estruturadas onde pode planejar seu comportamento antecipadamente, temendo que sua impulsividade se manifeste. Isso pode resultar em isolamento social e perda de oportunidades de conexão.

 

 

Por Que as Pessoas Mascaram?

 

As razões para o mascaramento são multifacetadas e profundamente enraizadas em experiências pessoais e pressões sociais:

 

1. Pressão Social: A sociedade frequentemente recompensa comportamentos considerados "normais" e pune a diferença. Desde a infância, muitos neurodivergentes recebem mensagens explícitas e implícitas de que devem se "comportar normalmente". Por exemplo, uma criança autista pode ser constantemente repreendida por não manter contato visual, levando-a a forçar essa prática na vida adulta, mesmo que isso cause ansiedade intensa.

 

2. Sobrevivência Profissional: Muitos temem discriminação no trabalho se suas condições forem conhecidas, levando a um constante estado de alerta e automonitoramento. Um executivo com TDAH pode esconder sua condição de seus superiores, temendo que seja visto como incapaz de lidar com responsabilidades de alto nível. Isso pode envolver horas extras não reconhecidas para manter a aparência de eficiência.

 

3. Relacionamentos: O medo de rejeição leva muitos a esconder suas verdadeiras personalidades, especialmente em relacionamentos românticos ou amizades próximas. Uma mulher autista pode aprender a suprimir seus interesses especiais em encontros, temendo que sua paixão intensa por um tópico específico seja vista como "estranha" ou "obsessiva".

 

4. Internalização do Capacitismo: Mensagens negativas sobre neurodivergência podem levar à vergonha e ao desejo de "parecer normal". Um adulto diagnosticado com TDAH tardiamente pode ter passado anos se culpando por suas dificuldades, internalizando a ideia de que era "preguiçoso" ou "desorganizado por natureza".

 

 

O Custo do Mascaramento

 

Embora o mascaramento possa oferecer benefícios a curto prazo, como aceitação social temporária ou sucesso profissional aparente, as consequências a longo prazo são significativas e muitas vezes devastadoras:

 

1. Burnout Autístico: A constante supressão de comportamentos naturais leva à exaustão mental e emocional, podendo resultar em períodos de burnout intenso. Por exemplo, após meses de intenso mascaramento em um novo emprego, uma mulher autista pode experimentar um colapso emocional, necessitando de várias semanas de para se recuperar.

 

2. Perda de Identidade: Muitos relatam não saber quem realmente são após anos de mascaramento, levando a uma crise de identidade profunda. Um adulto recém-diagnosticado com autismo pode perceber que não sabe mais distinguir entre seus verdadeiros gostos e interesses e aqueles que adotou para se "encaixar".

 

3. Atraso no Diagnóstico: O mascaramento eficaz pode levar a diagnósticos tardios, privando indivíduos de suporte adequado por anos ou até décadas. Uma mulher pode ser diagnosticada com TDAH apenas na meia-idade, após uma vida de lutas internas e autoculpa, porque seu mascaramento bem-sucedido ocultou muitos dos sinais típicos da condição.

 

4. Problemas de Saúde Mental: Ansiedade, depressão e baixa autoestima são comuns entre aqueles que mascaram cronicamente. Um homem com autismo pode desenvolver um transtorno de ansiedade generalizada após anos de tentar se encaixar em ambientes sociais e profissionais que não acomodavam suas necessidades.

 

5. Dificuldades em Relacionamentos: Manter uma "persona" falsa dificulta conexões genuínas e pode levar ao isolamento. Após anos mascarando seus traços de TDAH, uma pessoa pode perceber que tem dificuldade em formar amizades profundas, pois sempre se sente como se estivesse "atuando" em vez de sendo ela mesma.

 

6. Agravamento de Sintomas: Para pessoas com TDAH, o esforço constante para mascarar pode exacerbar problemas de atenção e regulação emocional. Um adulto com TDAH pode notar que sua capacidade de concentração piora significativamente após longos períodos de mascaramento em ambientes sociais, afetando seu desempenho no trabalho nos dias seguintes.

 

 

O Caminho para o Desmascaramento

 

Reconhecer e reduzir o mascaramento é um processo desafiador, mas vital para o bem-estar e a autenticidade. Aqui estão algumas estratégias detalhadas:

 

1. Autoaceitação: Compreender e abraçar sua neurodivergência é o primeiro passo. Isso pode envolver educação sobre sua condição e conexão com comunidades neurodivergentes. Por exemplo, após o diagnóstico, uma pessoa pode começar a ler livros escritos por autistas adultos e participar de grupos de apoio online, o que a ajuda a aceitar e valorizar suas diferenças neurológicas.

 

2. Terapia: Profissionais especializados em neurodiversidade podem ajudar a processar o impacto do mascaramento e desenvolver estratégias de autenticidade. Um adulto com TDAH pode trabalhar com um terapeuta para identificar padrões de mascaramento e desenvolver técnicas para ser mais autêntico em situações sociais e profissionais. Para isso tem a Clínica terapeuTEAr, que é fundada e administrada por autistas e pessoas com TDAH.

 

3. Comunidade: Conectar-se com outros neurodivergentes pode proporcionar um senso de pertencimento e validação. Participar de um grupo de apoio para adultos com autismo pode ajudar uma pessoa a se sentir menos sozinha e mais confiante em suas experiências e desafios únicos.

 

4. Educação: Informar-se sobre seus direitos e advocar por acomodações necessárias pode reduzir a necessidade de mascaramento. Após aprender sobre seus direitos no local de trabalho, um indivíduo pode solicitar e receber acomodações que reduzem significativamente sua necessidade de mascarar seus sintomas de TDAH. Infelizmente, sei que nem sempre é possível conseguir essas adaptações, principalmente quando não são obrigatórias por lei.

 

5. Ambientes Seguros: Criar espaços onde você possa ser autêntico, mesmo que inicialmente limitados, pode ser um passo importante. Uma pessoa autista pode criar um "cantinho de descompressão" em sua casa, onde pode livremente engajar em seus comportamentos estimulatórios sem julgamento.

 

6. Divulgação Seletiva: Compartilhar sua condição com pessoas de confiança pode aliviar a pressão do mascaramento constante. Um adulto pode decidir revelar seu diagnóstico de autismo para seus amigos mais próximos, o que resulta em relacionamentos mais profundos e autênticos.

 

 

Conclusão:

 

O mascaramento é uma resposta compreensível a um mundo que nem sempre acolhe a neurodiversidade. É uma estratégia de sobrevivência que muitos adotam, muitas vezes sem perceber o alto custo pessoal envolvido. No entanto, o preço da autenticidade suprimida é alto demais para ser ignorado.

 

Se você se identificou com as experiências descritas neste post, saiba que não está sozinho. O caminho para a autenticidade pode ser desafiador, mas é infinitamente recompensador. Lembre-se: você merece ser aceito e valorizado exatamente como você é, sem máscaras ou disfarces.

 

Dar o primeiro passo em direção ao desmascaramento pode ser assustador, mas também pode ser o início de uma jornada libertadora de autodescoberta e aceitação. Seja gentil consigo mesmo nesse processo. Cada pequeno ato de autenticidade é uma vitória, não apenas para você, mas para toda a comunidade neurodivergente.

 

 

Texto escrito por: Pedro Jailson.

 

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